RESENHA: O Fantástico Jaspion

Quem tem menos de 20 anos não teve a oportunidade de conhecer como era a vida de uma criança em plena transição da década de 80 para 90. Com uma economia oscilante e uma inflação exorbitante, era comum que pais e filhos tivessem como principal diversão a TV.

Como o fim-de-semana a telinha era sempre dominada pelos chefes-de-família que trabalharam duro durante a semana, restava aos pequeninos aproveitar o que a TV tinha de bom e de melhor durante os dias de semana. E que programação! Para prender a atenção da garotada a as redes de TV eram repletas de monstros, robôs gigantes e grandes super-heróis.

Mas não era só isso. Além dos convencionais desenhos animados americanos, os meados da década de 80 foram invadidos por seriados de super-heróis japoneses multi-coloridos, cheios de raios laser e técnicas de luta malabaristas. O carro chefe de todos os seriados era um herói franzino, de cabelo black-power e uma ajudante robô que até hoje é usado como referência para se referir ao povo oriental no Brasil: O Fantástico Jaspion.

O INÍCIO DE TUDO

No Brasil nunca foi preciso muita coisa para transformar uma idéia em sucesso. Reality-shows, desenhos animados, animes, redes sociais e qualquer outro gênero de entretenimento geralmente explodem no país graças um único grande título. Com os os tokusatsus não pôde ser diferente.

Tokusatsu é o neologismo que define o gênero de seriado de super-heróis japonês cheios de efeitos especiais. Quando os tokusatsu aterrisaram pela primeira vez no Brasil (com as séries Ultra, nos anos 70, na TV Tupi) o barulho não foi tão grande, mas certamente preparou o terreno para possibilitar o sucesso de Jaspion em 1886.

O visionário que trouxe Jaspion para o Brasil é o empresário Toshihiko Egashira. O decendente de família japonesa percebeu como os seriados importados (legendados) do Japão eram procurados nas locadoras especializadas em conteúdos para nipo-descendentes e viu aí uma oportunidade de mercado a ser explorada.

Fundando a Everest Vídeo, Toshi (como é popularmente conhecido) trouxe Jaspion e Changeman como “start” para o negócio, sendo iniciado como um seriado apenas para locação (agora com áudio dublado) para posteriormente ser transmitido na TV.

Mesmo sendo desacreditado por várias lojas de home-video, redes de TV e fábricas de brinquedos, todos os meios que Jaspion e Changeman entravam faziam sucesso imediato e a produção poucas vezes supria a demanda inicial. O sucesso foi tanto que a Rede Manchete começou a transmitir o seriado em horário nobre, fazendo frente com as novelas da Rede Globo e o licenciamento era tão intenso que até um circo itnerante do personagem foi montado.

PRODUÇÃO

Apesar de já estarmos acostumados com histórias que se repetem em loops infinitos nas atuais séries Power Rangers, o enredo de Jaspion prima pela sua originalidade, mesmo se comparada com outras séries do gênero e da mesma época no Japão.

O nome original da série é Kyojuu Tokusou Jaspion (em japonês: 巨獣特捜ジャスピオン) que pode ser traduzido como O nvestigador de Monstros Juspion. Peraí! Juspion? Sim! Juspion deveria ser o nome original do personagem nos países ocidentais, já que o nome do heróis é formado pela junção das palavras inglesas Justice e Champion. Porém, por motivos óbvios, os licenciadores preferiram manter a pronuncia original do nome do herói da língua japonesa.

Bom, então já que o fantástico Jaspion na verdade é um investigador de monstros, pode-se presumir que ele também seja uma espécie de detetive espacial, certo? Em partes.

No Japão, Jaspion é um tokusatsu que pertenceu a já extinta franquia dos heróis denominados Metal-Hero’s. Essa franquia foi montada pela produtora da série, a Toei Company, com o intuito inovar o conceito dos seriados de super-heróis da época, ao invés de se usar atores convencionais no papel dos heróis, a companhia decidiu utilizar os próprios dublês que faziam as cenas de ação como os atores que fariam o personagem à paisana, assim poderiam gravar várias tomadas de lutas dos heróis lutando sem a armadura.

A idéia deu muito certo, mas muito anos antes de Jaspion. O herói foi o quarto da série Metal Hero, mas o primeiro a estrelar a história sozinho. Seus três predecessores, Gavan, Sharivan e Sheidder (depois transmitidos no Brasil pela Rede Globo e Bandeirantes) integraram uma espécie de trilogia da franquia, sendo os primeiros detetives espaciais do Japão.

Quando Jaspion chegou com uma proposta similar aos de seus antecessores o público japonês passou a rejeitar o herói. Para recuperar os pontos de audiência perdidos, a idéia inicial de detetive espacial foi mudada várias vezes, sendo que o heróis teve que passar por mudanças de roteiro várias vezes até encontrar um formato que conseguisse agradar o público japonês.

A série chegou a ponto de ser quase cancelada tamanha a perda de audiência comparada a série anterior, tendo que ser mudada de horário na TV que era transmitida no Japão para se manter no ar.

Somado a isso, a série ainda passou por diversos problemas que o acaso provocou. O ator de Jaspion, Hikaru Kurosaki sofreu um acidente e teve de ficar afastado das cenas de ação por alguns episódios, sendo substituído por outros dublês. O ator de Boomerman (Boomerang no original), Hiroshi Watari, antigo ator de Sharivan, Hiroshi Watari, que foi inserido na história para resgatar o público cativo da trilogia dos detetives espaciais sofreu um grave acidente de moto e teve que se afastar completamente das gravações.

Para completar, até o visual de Hikaru Kurosaki foi mudado várias vezes. A produção tentava projetar as quedas de audiência em tudo o que poderia existir na série, inclusive no cabelo de Jaspion. O inicial (e original) black-power do ator foi cortado, penteado, alisado, arrepiado e organizado de tantas formas diferentes como nenhuma outra série na história dos tokusatsus.

A TRILHA SONORA

A trilha de tokusatsu remete muito as trilhas de Star Wars e Star Trek. Com um tom épico, as músicas tem a intenção de marcar a quem assite. Com um time que já era veterano em produções de super-heróis na época, Jaspion contou, entre outros, com os nomes de Ai Takano para os temas de abertura e encerramento e Akira Kushida para diversar músicas de inserção, das quais vale destacar o tema do robô gigante Daileon.

Abaixo você confere o tema de abertura e a música-tema de Daileon:

O ENREDO

Com tantas mudanças bruscas de roteiro já citadas, ao que parece o enredo tinha tudo para ser um fracasso não é? Pois até mesmo o crítico de ficção científica mais clássico vai concordar que a dinâmica do roteiro de Jaspion fez bem para a história.

A história começa com Jaspion, um orfão de um planeta distante sendo chamado a gruta do profeta Edin. O profeta centenário de cabelos e barbas longas previu através da leitura de parte da bíblia galáctica que o universo será destruído por um ser chamado Satan Goss (Satan Gorth, no original) que estaria cruzando o universo conquistando os planetas graças ao seu principal poder: enfurecer os seres e transformá-los em monstros incontroláveis (como já dizia o narrador da série).

Para evitar que Satan Goss costrua um império de monstros, Edin dá a Jaspion uma armadura Metaltex e uma nave que se transforma em um robô gigante (o Gigante Guerreiro Daileon) para cruzar o espaço e deter o vilão.

Nos primeiros episódios, é exatamente isso o que Jaspion faz. Vai cruzando o espaço de planeta em planeta desfazendo as desgraças causadas por Satan Goss. Talvéz o alto custo desse tipo de produção e/ou a baixa audiência provocada, tenha feito os roteiristas mudarem de idéia e trazerem Jaspion para a Terra, o antigo planeta das feras (os dinossauros) onde Satan Goss vê o local ideal para construir o centro do Império dos Monstros.

Jaspion ainda conta com a ajuda de dois seres. Anri (Kiyomi Tsukada) é uma andróide construída por Odin para “cuidar” de Jaspion, desde a sua alimentação até a observação dos perigos que afligem o universo. Miya (Atsuko Koganezawa) é um monstro-bebê espacial que Jaspion salva em uma de suas viagens interplanetárias que acabou vivendo com ele no Daileon.

As sequências da vida causal de Jaspion geralmente são divididas com as duas personagens. De um jeito extrovertido e brincalhão, Jaspion adora provocar as duas, o que gera sequências muito divertidas durante toda a série. As caras e bocas dos personagens são muito facilmente remetidas aos mangás, história em quadrinhos japonesas que prima pela variação de caricatos dos personagens.

Daileon é outro destaque. Apesar de muitas das batalhas vistas com robôs gigantes em outros tokusatsus sejam um tanto quanto cansativas e repetitivas, o robô guerreiro gigante Daileon consegue prender a atenção do espectador.Quem não e lembra do pesado chute do robô? Ou do decisório Cosmic-Laser?

Os movimentos, a construção da roupa do robô e o cenário aonde é inserido dão origem a tomadas que simulam com perfeição um robô gigante. Mesmo com efeitos especiais tão escassos da época, a impressão que dá é que Daileon realmente tem quilómetros e quilómetros de altura, efeito esse que mesmo hoje em dia, com tantos recusos digitais , muitas vezes não conseguem ser muito bem simulados.

É bom lembrar que Jaspion é um seriado produzido para um público infantil, mas não é bom deixar de considerar que o ano de produção de Jaspion (1985) era um época em que os seriados de ficção científica (Star Wars, Star Trek, Lost in the Space) estavam em alta também, assim conclui-se que a equipe de produção de Jaspion tinha verdadeira paixão por esse gênero e tentavam refleti-los em seus seriados tokusatsu, o que atraia também espectadores de idade mais adulta.

Assim, durante toda a série, é possível notar a troca de valores de um programa infantil com as saídas pseudo-científicas que justificam a concepção de cada monstro que Jaspion luta. Apesar de nitidamente notar que a vinda de Jaspion para a Terra era sair um pouco desse estilo de ficção científica, a vinda do herói foi positiva. Por se tratar de uma série infantil, é importante que a participação de crianças na história seja constante, e a Terra é o ambiente ideal para isso.

A história segue com a chegada do drama de Boomerman, que se torna o melhor amigo e companheiro de Jaspion na luta contra Satan Goss, que começa a trazer matadores de toda a galáxia para ajudar deus filho MacGaren (Mad Galant, no original), a deter o herói de metaltex. Com a saída do personagem novamente o enredo precisou passar por mudanças bruscas, talvéz a melhor que Jaspion teve.

Edin, descobre novas partes da Bíblia Galáctica e revela a Jaspion que (surpresa!) a salvação do universo estava mesmo na Terra. Começa a busca pelo pássaro dourado, o ser que será capaz de dar poderes a Jaspion para que ele consiga enfrentar Satan Goss de igual para igual e deter suas ambições megalomaniacas.

Essa constante troca de focos para a história é verdadeiramente benéfica. A dinâmica de Jaspion faz com que a história se diferencie do resto dos tokusatsus, criando um enredo que vai evoluindo conforme o passar dos episódios. O pássaro dourado, apesar de parecer uma espécie de plano B dos roteiristas, transformou Jaspion numa história original que foge do marasmo de muitas séries de seus gênero. Avaliando a história como um todo, mesmo a troca de personalidade de Jaspion pode ser atribuídas ao seu amadurecimento devido aos dramas que vai vivendo durante a série.

O PRODUTO NACIONAL

Jaspion teve seu apogeu quando foi transmitido pela Rede Manchete a partir de 1988 até meados de 1994. Já entre agosto de 1994 e dezembro de 1995, foi exibida pela Rede Record, continuando a manter ótimos índices de audiência. Posteriormente, em 1997, foi transmitida pela CNT/Gazeta.

Hoje, a série pode ser encontrada em diversas lojas e magazines numa edição caprichada produzida em DVD pela Focus Filmes desde 2007. Jaspion foi a primeira investida da empresa no ramo de tokusatsus da empresa e até hoje é um dos títulos mais vendidos da empresa.

Separada em 10 discos avulsos ou em 2 boxes digistak com 5 discos cada, o título ainda ganhou uma edição de colecionador, com uma lata para guardar os dois boxes e um boneco comemorativo. Tanto a arte de capa dos discos, como as dos boxes e da lata ficaram magníficas, com fundos que remetem a estrutura de Daileon. Apenas o boneco sofreu muitas críticas. A própria Focus disse que havia recusado o primeiro modelo do boneco, mas acabou por optando por ele para não atrasar com a entrega prometida aos consumidores.

A qualidade do áudio e da imagem surpreendem, levando em conideração que a série data de mais de 25 anos. O tratamento da imagem para ser transmitida digitalmente ficou excelente e o audio original tão bom quanto.

O destaque vai para o conteúdo exclusivo do Brasil. Primeiro a faixa de áudio em português foram tiradas das fitas originais u-matic do licenciante original, num estado tão bom quanto a qualidade do áudio japonês. Segundo, os três primeiros discos trazem uma faixa de áudio-comentários com Ricardo Cruz e outras figuras pop da mídia especialista em tokusatsu no Brasil, além de uma entrevista com Toshihiko Egashira.

ENFIM, VALE A PENA?

Ao se deparar com Jaspion a primeira imagem que se é levada a mente é de uma produção tosca, com efeitos especiais de segunda, e seres fantásticos muito espalhafatosos. Mas isso acontece apenas num primeiro momento. A partir da hora que o epectador topa em assistir ao seriado pensando na mensagem que a produção queria passar a partir dos recursos que tinham, essa impressão viciada passa.

Talvéz, mesmo sem topar em fazê-lo, Jaspion consegue conquistar até mesmo os corações mais resistentes. A força do herói somada a graça e a inocência que integram o personagem, cativa. Assim como o seriado mexicano Chaves, Jaspion transmite uma história simples, de fácil entendimento, leve mas muito inteligente.

Aos pequenos, a imagem do herói que a tudo salva fica marcado na memória. Aos adultos, a mensagem de superação e companheirismo somadas a uma história de ficção científica sem complicações gera reflexão e relaxamento.

São poucos os heróis que conseguem marcar o significado de HERÓI tanto como Jaspion. Diferente da hesitação vista em muitos dos atuais filmes de hollywood que retratam os heróis dos comics, Jaspion resgata o herói simples que supera limites que é tão necessário na formação de qualquer ser humano.

Após assistir 46 episódios de pura ação e aventura, o espectador vai perceber que Jaspion não é um mero devetive espacial de monstros, ele é realmente FANTÁSTICO!

No início, Jaspion morava com Edin num planeta muito longe da Terra.
Anri e Jaspion dentro de Daileon em sua forma de nave.

6 comentários em “RESENHA: O Fantástico Jaspion

  1. Tenho o maior prazer em desenterrar esse post perfeito,minha infancia foi magica e perfeita.
    Graças a DEUS nasci nos anos 80.

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